FÁBULA DE UM BOM LADRÃO


Há uma grande dúvida nas pessoas. Elas perguntam: por que me entreguei, após tantos anos de sucesso? Em primeiro lugar, nunca deixei de ser um bom ladrão. Vamos, pois à verdade. Eu envelheci. Quando jovem, eu fui audaz, ágil, assumi riscos. Nenhum cofre de banco jamais foi seguro.

No estado nenhum ladrão foi aclamado e procurado como eu. Simplesmente não havia ninguém que chegasse aos meus pés. Belos roubos! Nenhuma pista, nenhuma falha, nenhum susto.Mas, com o passar dos tempos, fui esmorecendo. Fiquei mais temeroso. Aconteceram-me coisas que me deixaram sem ânimo. Muitos, diante de meu sucesso, também entraram no ramo. Quando eu pensava em roubar um banco, em poucos dias o banco já era roubado. Não por mim, mas por outros ilustres desconhecidos ladrões. Cheguei ao cúmulo de planejar um roubo e, quando executei o plano, sempre com aquela perfeição, outros lá estavam. Por diversas vezes, chegando ao local do roubo, encontrei outros com a sacola cheia. Fiquei chupando no dedo.

Os meus concorrentes eram ágeis, rápidos, e muitos já operavam computadores novíssimos. Então percebi, eu estava envelhecido. O meu tempo passara. Quando se perde a agilidade, o mundo revira. Ao meu redor, tudo mudara e eu não havia percebido. O tempo escoara. E, no mundo de hoje, só há dois tipos de gente, os rápidos e os mortos. De repente a gente descobre que é o último da fila, e de que nada vale correr desesperado, como louco, que jamais chegará ponta da fila. Muitos ficaram contentes com a prisão. Bobagem. Eu me entreguei porque outros me passaram para trás.

Certo dia dentro de um banco, deparei-me com uma situação completamente nova: O cofre era diferente, cheio de segredos, computadorizado… fiquei embasbacado, feito bobo, e tive de sair de mãos vazias. Os cofres que eu roubava já estavam superados. Eram sucatas! Os meus conhecimentos não serviam para nada.

Foi a gota dágua.

Sobreveio-me uma descoberta fatal: se uma pessoa, nos últimos dois anos, não mudou ou trocou de idéias, deve consultar rapidamente o pulso, pois ela pode estar morta e não sabe.

Sou um ladrão liquidado. Não pela polícia, mas por um mundo novo. E, agora, com esse dinheiro eletrônico… bem, a mim já não interessa.

Outro fato me azedou: no último Natal, recebi um cartão de Natal de um ladrão próspero, que dizia o seguinte:

A cada manhã na África, uma lebre se levanta. Sabe que deverá correr mais rápido do que o leão ou será morta.

Quando surge o sol, não importa se és leão ou a lebre.

É melhor começar a correr, e já.

Aí… a água derramou. Peguei uma insônia de seis meses. Assim tomei a decisão: Fiz as malas e procurei a polícia. Os tempos de glória passaram.

Muitos, como eu, estão sepultados e não sabem.

Autor: David Gonçalves